DA GREVE
Esta greve dos professores parece-me o menor dos desmandos a que a classe docente ou alguém em seu nome se tem entregue na luta que diz travar pela “escola pública”, “educação” ou outras designações metafóricas a que recorre na hora de tratar da sua condição laboral.
Ou será que já esquecemos o sucedido em 2008, na cidade de Fafe, quando alguns professores acompanhados de vários alunos nem deixaram a então ministra Lurdes Rodrigues sair para fora do carro, atirando-lhe ovos? E também ninguém recorda a ausência de contestação sindical à portaria através da qual o governo regional da Madeira avaliou com "bom", no mesmo ano de 2008, todos os professores em exercício no arquipélago? Ao pé destes tristes exemplos esta greve é um acto de civilidade.
As greves existem. Existe o direito de as convocar e também existe o direito de não as fazer. Noutros tempos eram os alunos que faziam greves aos exames. Agora com os alunos infantilizados e a viverem pedagogicamente num mundo de algodão em rama, pedagogos vários a par das confederações das associações de pais - essas entidades cuja existência é mais enigmática que a vida sexual das criaturas marinhas nas fossas abissais - acham que os infantes poderão precisar de apoio psicológico porque vão fazer exame e os ‘sotôres' não estão lá.
Enfim nos tempos anteriores ao apoio psicológico uma sala de exame sem examinadores era um escândalo ou uma festa, consoante o ponto de vista. Agora é um trauma e um sinal de falta de equidade, seja lá isso o que for.
Ora tal como me parece inquestionável o direito à greve também me parece inquestionável o direito à escolha da escola por parte das famílias: no dia em que os pais puderem escolher a escola pública ou privada em que querem colocar os seus filhos - entregando o Estado a essa escola o valor que gastaria com ela em média numa escola pública - então poderemos começar a falar de ensino. Pelo contrário, enquanto se identificar direito ao ensino com obrigatoriedade de frequência da escola pública e dentro desta nem sequer se puder escolher a escola que se quer, a mediocridade continua protegida por decreto e o senhor Nogueira e os seus clones continuarão a restringir toda a discussão sobre o ensino à agenda dos partidos que têm por trás.
Fui professora do ensino secundário e quer nessa qualidade quer enquanto encarregada de educação nunca encontrei estes auto-proclamados defensores da escola quando os professores mais jovens eram colocados tardiamente e os colegas efectivos entretanto lhes tinham retalhado o horário segundo as suas conveniências. Muito menos quando se deixavam para os professores com menos experiência - logo nos lugares abaixo das listas - as turmas que davam mais problemas. Encontrei professores sinceramente devotados e preocupados. Mas essa era uma atitude individual. A escola em si não existia e muito menos se discutia. Aliás a única coisa que une o senhor Nogueira aos professores é o discurso anti-Ministério da Educação, entidade bem mais longínqua e fácil de contestar que os abusos, as irresponsabilidades, as discricionariedades e incompetências dos colegas ou dos dirigentes escolares.
Mas convém que se sublinhe: nem o Ministério nem os sindicatos estão sós neste diferendo. Como disse reconheço ao senhor Nogueira o direito a convocar esta e todas as greves que entender. Mais claro ainda me parece que Nuno Crato é um dos melhores ministros que passou pela 5 de Outubro. Mas recuso-me a que ministério e sindicatos restrinjam esta polémica a si mesmos. Quero saber como faço valer os meus direitos a escolher a escola que quero para os meus filhos e que já pago com os meus impostos. Se é pública ou privada, perto ou longe de casa é algo que só a mim diz respeito.
Como é óbvio enquanto contribuinte acho que tenho o direito a um debate esclarecedor sobre os horários zero e a mobilidade reivindicados pelos professores pois trata-se de um regime excepcional que como tal tem de ser muito bem justificado. E por fim mas não por último também não aceito que me imponham o dever de pagar o ordenado com respectivas progressões a professores eternamente destacados nos sindicatos.
Com trauma ou sem ele e se quiserem com muita equidade vamos ter de discutir a escola.
Helena Matos, Ensaísta
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