PRIVATIZAÇÃO DA TAP - UM GOVERNO FANÁTICO, DESACREDITADO E FRACASSADO
OPINIÃO
A privatização da TAP e a governação fanática, desacreditada e fracassada
O governo tem em curso uma privatização altamente polémica, a privatização da TAP, que é atualmente detida a 100% pelo Estado Português. A empresa voa para 80 destinos, em 36 países, executando cerca de 2.000 voos semanais, e tem uma frota de 55 aviões Airbus e outros 16 aviões voando pela subsidiária Portugália Airlines. E, sem recorrer a ajudas do Estado nos últimos 20 anos, realizou, entre 2004 e 2013, avultados investimentos: 698,8 milhões de euros.
É um ativo preciosíssimo dos portugueses que tem não só uma elevadíssima qualidade no serviço que presta, como aliás evidenciam os inúmeros prémios que tem recebido, sendo ainda um valor estratégico na ligação da volumosa diáspora portuguesa ao país, bem como de Portugal ao espaço da Lusofonia. Mais, a parte do transporte aéreo do conglomerado de empresas do universo TAP tem gerado sucessivos lucros, cerca de 178 milhões de euros em acumulado, 2009-2013. Pelo contrário, é a "TAP Manutenção e Engenharia Brasil" que tem gerado elevados prejuízos. Terminada esta contextualização, esclareço o meu propósito neste artigo: usar a privatização da TAP como um exemplo paradigmático da governação da direita no poder desde 2011, em quatro dimensões: fanatismo ideológico; resultados fracassados; descrédito da ação política; conceção enviesado do compromisso político.
1.Fanatismo ideológico
É verdade que o governo e os partidos que o suportam (PSD e CDS-PP) sempre disseram que queriam ir além da Troika. Aquele era não apenas o memorando de entendimento do FMI, da CE e do BCE com o governo de Portugal, era o programa que o país necessitava porque tinha vivido acima das suas possibilidades, era portanto o próprio programa do PSD mas em versão light. Mas a direita, sobretudo o PSD, também sempre disse que não queria cortar salários, nem pensões, nem subsídios de Natal e de férias, tal não seria necessário. E quanto aos cortes no Estado (Social) e nos serviços públicos, o PSD sempre disse que queria apenas "cortar nas gorduras", nos custos intermédios, e sem serem precisos despedimentos. Na verdade tem ido muito para além da Troika e das suas próprias promessas, governando sem mandato político. E tem-no feito de forma bastante assimétrica, o que é bem revelador de que não há, nem havia, nenhuma "espada Dâmocles" sob a cabeça do executivo; há sim, sobretudo, fanatismo ideológico. Vejamos alguns exemplos. Entre 2011 e Setembro de 2014, o governo reduziu o dobro do emprego público, cerca de 4% ao ano, face ao que a Troika previa, 2%; no período, a Administração Pública perdeu cerca de 79.898 trabalhadores, por volta de 11% do total. E o ponto de partida era já baixo: no final de 2011, o emprego público pesava cerca de 15% do emprego, em média, nos países da OCDE; em Portugal era de apenas 11%. Os cortes na saúde, na educação e na segurança social, bem como a escala das privatizações, foram também muito além da Troika, ou seja, não atingiram apenas "as gorduras", chegaram bem no âmago do "filé mignon" (ver, por exemplo, o Diário de Notícias de 14-4-2014, para o caso da Educação). O governo gosta sempre de se esconder atrás da Troika, pelo menos desde que as coisas começaram a correr mal e a governação sem mandato entrou em velocidade de cruzeiro (final de 2011), mas a verdade é que, como já sublinhou o novo líder do PS, o memorando não legitima tal obsessão da direita com a venda da TAP. Primeiro, porque previa apenas a privatização parcial das grandes empresas e o governo quer, pelo menos a prazo, uma privatização integral. Segundo, porque estimava que tal plano de privatizações atingisse um encaixe de 5,5 mil milhões de euros e já se chegou a cerca de 8 mil milhões: "The plan targets front-loaded proceeds ofabout €[5.5] billion through the end of the program, with only partial divestment envisaged for all large firms (sublinhados meus)." Ou seja, o governo gosta de se esconder atrás da Troika, mas nem a Troika ainda cá está, nem o memorando legitima este fanatismo ideológico, sustentado também pelo beneplácito presidencial.
2. Resultados fracassados
Note-se que muitas das grandes empresas que têm sido privatizadas por este governo (ANA, CP Carga, EDP, REN, CTT, Caixa Seguros), e por executivos anteriores (também socialistas: o afã privatizador há muito contagiou o centro-esquerda europeu, nomeadamente com os ventos do consenso de Washington e da terceira via, daí o declínio da diferenciação ideológica que mina as democracias europeias), são monopólios naturais e, amiúde, bastante lucrativos. Por isso, a não ser por algum constrangimento externo muito forte, a privatização, sobretudo integral, é triplamente errada: porque contraria quem defende o funcionamento das economias sob a lógica do mercado; porque cria um capitalismo rentista; porque priva o Estado de encaixes financeiros. Mas poderia argumentar-se que tais privatizações seriam úteis para pagarmos as nossas dívidas. Nada de mais enganador, e daí o fracasso desta governação: a dívida pública era de 71,7% do PIB, em 2008, 108,1% em 2011, e cerca de 129,0% no final de 2013; para 2014 estimam-se 130%; mais, até 2009-2010 Portugal tinha um rácio entre a dívida e o PIB praticamente igual (ou um pouco acima) à média da Eurozona; desde então a trajetória de divergência é cavada e cifrou-se, em 2013, numa enorme distância: 129%, para Portugal, 92,6%, para a Zona Euro. Deste ponto de vista, a futilidade deste afã privatizador revela-se em todo o seu esplendor. Adicionalmente, os trágicos efeitos dos cortes "mais troikistas do que aTroika" na Saúde, na Educação, na Segurança Social, com uma deterioração fortíssima dos serviços públicos prestados, revelam que além da futilidade há efetios perversos. Alguém falou em sucesso do "ajustamento"? Em resgatar a pátria do colapso?
publicada por (im)parcial @ 17:13 0 Comentários
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