quinta-feira, 5 de abril de 2012

CORRUPÇÃO A 1 EURO POR MÊS

(Crónica de Vitor Matos-Revista"Sábado)
Corrupção a um euro por mês



"Um militante do PS ou do PSD custa €1 por mês em quotas. É baratinho. Mas é na base da pirâmide partidária que começa a corrupção. Quem dá o dinheiro aos caciques para pagar dezenas de milhares de euros em quotas está a investir e tem expectativas de retorno.

Isto funciona nos dois partidos tal como vou contar (porque já investiguei muitos casos) e tudo o que foge a esta lógica é pura excepção.
Os partidos organizam-se em estruturas de bairro, locais, distritais e nacionais. Nas lutas internas do PS ou do PSD, quem quiser conquistar uma secção, um concelho ou um distrito tem de ter votos suficientes, claro, vivemos em democracia, é assim mesmo. Mas para fazer prova de militância activa, vota quem tiver as quotas em dia. Ou seja, ganha as eleições internas quem tiver do seu lado o maior número de militantes com quotas pagas.

Num mundo ideal, a democracia interna dos partidos funcionaria na perfeição se cada militante militasse por militância, canalizando €1 por mês para o partido.

Acontece que não é assim. Primeiro, são poucos os que militam por militância e muitos os que são inscritos para votar certo na altura certa. Segundo, como as quotas são pagas por atacado antes das eleições, é preciso pagar €12 a €24, no mínimo antes de votar. E nem toda a gente é militante que chegue para dar assim dinheiro ao partido.

No mundo real, ganha as eleições internas quem paga mais quotas. Ou seja, os partidos são dirigidos por quem compra mais votos.

O esquema funciona assim: um cacique reúne um grupo de apoiantes que por sua vez reúne um grupo de amigos por cujo voto se responsabiliza, com duas condição prévias: ninguém paga quotas e toda a gente vota em quem ele manda. A moeda de troca para aceitar ser um militante com o voto vendido vai da expectativa de pequenos favores à pura amizade.

Há nuances entre o PS e PSD, mas vai tudo dar ao mesmo. Para ganhar uma distrital média, um cacique que se preze deverá gastar mais do que €50.000 só em quotas de militantes, fora outros gastos com a campanha. O dinheiro circula vivo ou nas contas bancárias dos que se disponibilizam para pagar dezenas ou centenas de quotas pelo Multibanco.

A corrupção a €1 por mês parece barata mas sai muito cara a todos nós e ao regime.
a) a democracia interna dos partidos é uma aldrabice. Os principais agentes da democracia (os partidos) são os maiores corruptores do sistema, o que por si só devia constituir escândalo nacional, mas ninguém se incomoda porque é banal;
b) o dinheiro para pagar dezenas de meses de quotas em atraso a milhares de militantes partidários tem de vir de algum lado. Não vem de beneméritos. São empresas de construção civil, amigos ricos, empresários, interesses locais, que pagam. Se pagam querem algo em troca. E como continuam a pagar as suas apostas em homens de futuro - que também lhes garantem o futuro -, é porque o negócio compensa. O cacique eleito pode tornar-se deputado, secretário de Estado, vereador, presidente da câmara, dá sempre jeito investir.
c) não é ilegal a empresas ou a privados financiarem campanhas internas de partidos porque simplesmente nenhuma legislação regula o financiamento das campanhas internas dos partidos. Mas o dinheiro sai de algum lado, e não é registado na contabilidade das empresas. No mínimo, é fuga aos impostos para financiamento partidário não previsto na lei. E obriga naturalmente à existência de sacos azuis que não sejam detectados pelo fisco.

Conclusão: estes favores pagam-se. O sistema funciona em pirâmide: o líder nacional depende do poder dos líderes distritais para ser eleito, e estes dependem dos líderes locais para lhes arranjarem votos e estes precisam das pequenas secções para se elegerem. Os favores funcionam de cima par abaixo e de baixo para cima. Quem quiser ser alguém num grande partido político português (PS ou PSD), tem de passar por este esquema. Quem manter a pureza virginal e entrar na política sem recorrer a estas práticas é cruelmente cilindrado. Dos deputados dos grandes partidos, são excepções os que nunca tiveram de promover este tipo de práticas, ou de conviver com elas, ou de as aceitar sem crítica. Quase todos os nossos representantes foram ou são coniventes com isto. Se passaram por uma juventude ainda pior.
A corrupção da democracia e nos negócios começa assim: só custa €1 por mês. E é triste
"

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