A TEORIA DO EMPOBRECIMENTO NÃO RESULTOU . PORQUÊ PROSSEGUIR O DESASTRE?
Opinião
O empobrecimento não trouxe crescimento nem consolidação
por Manuel Caldeira Cabral, professor na Universidade do Minho,
e Manuel Pinho, Ex-ministro da Economia e da Inovação, professor na
Universidade de Columbia
Quando
o atual Governo entrou em funções, a visão dominante sobre a crise portuguesa
seguia muito de perto o discurso de explicação da crise grega. De acordo com
esta visão, a aceleração do crescimento da despesa pública durante a última
década era responsável pela perda de competitividade da economia, endividamento
excessivo e baixo crescimento do País. O novo governo cedo manifestou a
intenção de "ir além da troika": medidas mais duras para um
ajustamento em menos tempo.
No
caso português, esta visão da crise chocava com os factos. A despesa pública
não acelerou na última década. Entre 2001 e 2011, a taxa de crescimento da
despesa pública foi metade da verificada na década anterior e foi até a mais
baixa desde a segunda mundial. O que se verificou, depois de 2000, foi antes
uma diminuição do crescimento do PIB nos países ocidentais, que devido à nossa
especialização foi mais marcada em Portugal. Isto sugere que o abrandamento
resultou de causas externas, como a emergência da China, ou o aumento do preço
das matérias-primas e a crise financeira, e não de causas internas.
A
diminuição do crescimento foi a causa dos problemas de contas públicas e não o
contrário.
O
atual Governo ignorou este facto e alinhou a sua estratégia com a visão de que
a única questão a resolver era o problema de contas públicas. A diminuição da
despesa pública devia corrigir o défice público e garantir a redução da despesa
interna e da procura de trabalho que, pelo aumento do desemprego, conduziria à
diminuição dos salários. A redução da procura interna substituiria a
desvalorização, contribuindo para reduzir as importações e para aumentar a
competitividade, pela redução dos salários, promovendo uma aceleração das
exportações.
A
tese do empobrecimento
Esta
era a tese do empobrecimento. Só empobrecendo e reduzindo salários poderíamos
voltar ao crescimento. A austeridade resolveria todos os desequilíbrios e
promoveria a retoma do crescimento.
A
única coisa que podia falhar, nesta ótica, assumida pela troika e Governo, era
o mercado de trabalho. A rigidez do mercado laboral podia atrasar a descida dos
salários e a redução do custos unitários de trabalho (CUT). Daí a prioridade
dada à reforma da Lei Laboral e à liberalização dos despedimentos
A
realidade acompanhou a teoria na redução da procura interna, gerou aumento do
desemprego e descida dos salários e CUT. O ajustamento no mercado laboral foi
forte, mesmo antes da nova leis laboral. Os custos unitários desceram
fortemente ao longo de 2012 e 2013.
O
que falhou?
O
que falhou foi o passo seguinte. A redução dos custos unitários não foi
acompanhada pelo aumento da taxa de crescimento das exportações. Pelo
contrário, a redução dos CUT portugueses face aos dos países da UE foi
acompanhada por um abrandamento do crescimento das exportações (de 13,5%, em
2010 e 2011, para 3,9%, em 2012 e 2013). Parte deste abrandamento pode ser
atribuído à crise europeia. No entanto, o crescimento das exportações
extracomunitárias caiu de 19% ao ano (entre 2010 e 2012) para 7%, nos primeiros
nove meses de 2013. Isto dificilmente pode ser explicado pela crise europeia.
Para
além de mais fraco, o crescimento das exportações em 2012 e 2013 foi sustentado
por sectores de capital intensivo, em que os custos laborais não são
significativos, como os produtos refinados de petróleo ou o papel, expansão que
resulta de grandes investimentos promovidos pelo anterior governo. Excluindo as
saídas de produtos petrolíferos, as exportações de bens crescem menos de 2%.
A
realidade mostra que a teoria do empobrecimento não resultou. A correção do
défice externo aconteceu, mas foi baseada crescentemente mais na queda da
procura interna e das importações do que na expansão das exportações. O
resultado mede-se em queda do PIB e aumento do desemprego. A melhoria do saldo
da BTC não traduz um processo virtuoso apenas nacional. Aconteceu em todos os
outros países na mesma situação. Entre 2007 e 2013 a redução do défice externo
foi até maior na Grécia e em Espanha do que em Portugal.
O
nível de recessão imposto à economia acabou por minar os esforços de
consolidação orçamental. A redução do défice em 2012 e 2013 juntos foi metade
da verificada em 2011. A economia caiu muito e o défice pouco. O empobrecimento
da base fiscal assim o impôs. Apesar dos sacrifícios exigidos, o crescimento do
rácio de endividamento não abrandou, puxado tanto pelo aumento da dívida como
pela baixa do PIB.
A
evolução dos últimos dois anos e meio salienta que o crescimento das
exportações, o aumento da competitividade e o crescimento do PIB dependem hoje
de fatores muito mais complexos do que apenas os custos salariais. O simplismo
da tese do empobrecimento tem o seu encanto, mas sem investimento as
exportações não podem crescer. O investimento interno está a cair há cinco anos
e a baixa de salários não fez o IDE afluir a Portugal, apesar dos apoios do
Estado e das isenções fiscais dadas aos grandes projetos.
Hipotecar
o futuro
A
linha argumentativa da troika e do actual Governo era simples. O País estava a
gastar acima do que produzia. Algo que um país que está a gastar acima do que
produz não pode fazer é produzir menos.
Não
há outra alternativa, foi dito vezes sem conta, pelos que defendiam que a
austeridade era o melhor caminho para voltar a colocar rapidamente a economia a
crescer. Portugal está hoje a produzir ao nível do que produzia no início do
século.
O
mais grave é que não se trata apenas de um efeito temporário. O ajustamento
seguido está a causar uma perda de capacidade produtiva. O País não está apenas
a produzir menos num contexto de recessão. Nestes dois anos Portugal viu descer
o seu PIB potencial. Como é que isso aconteceu? Portugal perdeu mão de obra,
perdeu capital e perdeu confiança nas instituições.
Os
modelos de crescimento consideram sempre o stock de capital e de mão de obra
como a base em que assenta o crescimento, a que se juntam as qualificações,
tecnologia e qualidade das instituições como fatores potenciadores.
A
base produtiva encolheu
Nos
últimos dois anos a base produtiva encolheu. Encolheu pela saída de mão de
obra, de uma forma que já não era vista desde 1974. Encolheu porque, pela
primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o País registou uma redução do seu
stock líquido de capital..
Nos
últimos dois anos o stock de capital de Portugal caiu mais de dez mil milhões
de euros e, de acordo com os dados do Eurostat, deverá continuar a cair em 2014
e 2015. Nas anteriores crises Portugal teve reduções temporárias do nível de
investimento, mas nunca foram a um nível que implicasse uma redução do stock de
capital da economia.
Sejamos
claros. Portugal tem pouco capital. Esse é um dos nossos atrasos. O stock de
capital por trabalhador de Portugal é cerca de metade do da UE15 e isso
reflete-se na produtividade do País. Nos últimos quarenta anos aproximámo-nos
da média europeia, subindo de 32%, em 1974, para 40%, em 1990, e 52% em 2010.
Hoje, com o investimento a 56% do nível de 2001, estamos a andar para trás e a
reduzir fortemente a capacidade produtiva da economia. Pela primeira vez,
Portugal teve uma década (2003-13) em que investiu menos do que na década
anterior. E isto é verdade tanto para o investimento público como privado.
Ambos caíram quase 40% desde 2008.
Para
além de capital, Portugal também está a perder força de trabalho. Mais de 5% da
força de trabalho saiu do País. Num país com baixíssimas qualificações, o fluxo
brutal de emigração de jovens com elevadas qualificações para o estrangeiro tem
de ser olhado com enorme preocupação. A esta perda junta-se a diminuição das
entradas para o ensino superior. É uma redução de capital humano brutal.
A
retoma vai ser feita sem estes recursos, a partir de um patamar mais baixo e
com pouco carburante.
É
mais difícil medir o efeito do desinvestimento na ciência e inovação, ou a
perda de confiança nas instituições nacionais. Mas estes estão a acontecer e
vão cobrar um preço muito caro às gerações futuras. É preciso alterar as
prioridades e perceber que só uma retoma sustentada pode permitir consolidar as
contas públicas e estabilizar o endividamento. E que quanto mais tarde esta
começar, mais baixo será o nível que o País terá como base para o crescimento
futuro.
O
ajustamento seguido em Portugal está a ser desastroso. Não resolveu o problema
do défice nem da dívida pública. E não conseguiu relançar o crescimento com a
sua estratégia simplista de empobrecimento, pensada para um país que Portugal
felizmente já não é nem pode ser. Afundar a economia não pode ser parte da
solução, pois só agrava o problema.
http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=3542099&page=-1
Diário de Notícias 2013.11.20
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