CHILE: 40 ANOS DO GOLPE DE ESTADO DE 1973
Chile: 40 Anos do Golpe de Estado de
1973
«Costa
Gavras: recordações do Chile»
(inédito)
Costa Gavras conversou com a edição chilena do Le Monde
diplomatique sobre as suas viagens ao Chile no tempo de Allende. São
suas as fotografias inéditas que publicamos no dossiê que dedicamos aos 40 anos
do golpe de Estado no Chile, na edição de Setembro (já nas bancas), bem como a
que acompanha este artigo. Costa Gavras é cineasta, tendo dirigido, entre
outros filmes, Z, A Confissão, Estado de Sítio,O
Quarto Poder, Ámen ou O Capital.
A Confissão
Um dia telefonaram-me do Chile. Era Helvio Soto, que me dizia que havia
no Chile uma grande polémica em torno do filme A Confissão (L’Aveu).
A direita dizia que o filme devia ser proibido. Decidi ir ao Chile e Augusto
Olivares levou-me a ver o presidente Salvador Allende, que me disse que «nunca
proibiremos um filme no Chile e portanto não há problemas, que se exiba».
Mas caminhando pelas ruas de Santiago vi uns folhetos que caíam de um edifício
e diziam: «Proibir A Confissão»… Foi tão surpreendente que pensei que sabiam
que era eu que passava e que por isso me haviam atirado estas folhas. Mas não,
simplesmente havia uma grande campanha, de diferentes sectores, contra o filme.
Augusto Olivares convidou-me para falar num programa de televisão e pude contar
a história de A Confissão. Voltei a encontrar-me com Allende e
conversámos bastante. Ele reiterou-me que se podia projectar A
Confissão e que eu tinha liberdade para fazer o que quisesse. Como eu
estava a trabalhar no filme Estado de Sítio, decidi filmá-lo no
Chile. Foi assim que conheci Allende.
Estado de Sítio
Regressámos ao Chile para filmar Estado de Sítio. Começámos
a rodagem mas, ao terceiro dia, os actores comunistas não vieram.
Paralelamente, na rua, grupos direitistas gritavam-me«comunista, desaparece
do Chile». Pensei em ir gravar para outro país, mas Augusto Olivares
disse-me para esperar e, enquanto isso, ir filmar para Viña del Mar. Fomos, com
Yves Montand e os demais actores, e continuámos a filmar em Viña. Uma noite,
Allende convidou-nos para jantar e recebeu-nos com vários ministros, entre eles
Jacques Chonchol e dois comunistas. Ao chegar, apresentou-nos e disse-me: «Li
o guião, é um filme que deve ser feito no Chile e como é evidente não pode
haver problema nenhum. Faça o que quer fazer, tem todo o meu apoio».
Efectivamente, não tive mais problemas e continuámos a filmar. Lamento muito
que, quando estava a terminar o filme Estado de Sítio, tenha acontecido
o golpe e nunca tivesse podido mostrá-lo a Salvador Allende. Ainda que depois o
tenhamos exibido à Tencha [a mulher de Allende] e a outros
amigos.
Allende
Encontrei-me com Allende quarto ou cinco vezes. Para mim foi muito
importante conhecê-lo e poder observar a experiência da Unidade Popular, que
era seguida com atenção em todo o mundo. Em França, muitos apoiavam-na; outros
diziam que Allende era comunista e ia fazer uma segunda Cuba. Mas eu, o que
retenho de Allende era a sua insistência na protecção da democracia e da
liberdade total. Impressionou-me muito a sua maneira simples de falar, a sua
falta de arrogância. Por sorte compreendo bem o espanhol e pude entender o
sentido das suas palavras e constatar o seu desinteresse pessoal. Isto captou a
minha atenção, já que conheci muitos políticos pelo mundo fora e nenhum tão
desinteressado por si próprio.
Passados 40 anos do golpe, podemos finalmente dizer que Allende tinha
razão. Olhando para a evolução, para o que está a acontecer em muitos países da
América Latina, vemos que é o que ele queria. Allende sonhava com uma América
Latina em democracia, com um tipo de relações diferente das que então mantinha
com os Estados Unidos. Allende nacionalizou o cobre. A sua visão da América
Latina era a de países que dirigem os seus próprios destinos, e não mais, como
se dizia nesses tempos, a do «quintal» dos Estados Unidos.
O golpe e a solidariedade
Lembro-me muito bem do 11 de Setembro. Estava em Roma e a notícia caiu
brutalmente. Lembro-me também que quando Georges Pompidou deu uma conferência
de imprensa não falou do presidente Allende mas do doutor Allende. A direita
mundial, ainda que não tivesse apoiado o golpe, também não queria Allende.
Creio que a viagem de Fidel ao Chile foi muito longa e isso influenciou
negativamente muita gente. Mas houve em todo o mundo uma condenação geral do
golpe de Estado de Pinochet e muitíssima solidariedade com o povo chileno.
Temuco - Lota
Um dia Allende convidou-me para ir a Temuco, terra dos mapuches. Foi uma
viagem extraordinária e pude constatar a sua enorme popularidade e o entusiasmo
do povo. Em Temuco, militantes do MIR [Movimento de Esquerda
Revolucionária] levaram-me a visitar uma ocupação de terras. Foi muito
emocionante visitar esse latifúndio ocupado pelos camponeses. Havia um camponês
que cuidava da casa do patrão, dormindo numa sala de baixo. Visitámos as
diferentes divisões da casa, onde eles haviam colocado lençóis para cuidar dos
móveis. Tudo com grande dignidade. Levaram-me também a Lota, com os mineiros.
Allende acabara, justamente, de conseguir aprovar leis que melhoravam as
condições de trabalho dos mineiros. Contaram-me das «camas quentes» e
percorremos as profundezas da mina. A certa altura parámos e disseram-me
que «por cima há 300 metros de terra e 700 de mar». Foi muito
impressionante.
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