123 - O DIA EM QUE A CRISE TERMINOU!
Artigo de Concha Caballero
Concha Caballero é licenciada em filosofia e letras, é professora de línguas e literatura. Entre 1993 e 2008 ocupou um lugar no parlamento da Andaluzia onde chegou a ser porta voz do grupo esquerda unida.
Deputada autonómica entre 1994 e 2008 foi uma das deputadas chave na aprovação da Reforma do Estatuto Autonómico da Andaluzia a que imprimiu um caracter mais social e humano do que, no principio, os grupos maioritários do parlamento pretendiam.
Actualmente colabora em diferentes meios de comunicação. Escreve sobre actualidade politica. Em 2009 publicou o livro “Sevilha cidade das palavras”.
123 - O dia em que a crise terminou!
Quando terminar a recessão, teremos perdido 30 anos dos nossos direitos e salários
Num bom dia do ano de 2014
despertaremos e irão anunciar-nos que a crise terminou.
Correrão rios de tinta com as nossas dores, comemorarão o fim do pesadelo far-nos-ão pensar que passou o perigo embora nos observem que ainda há uns sintomas da fraqueza e que devemos estar muito prudentes para evitar recaídas.
Conseguirão que respiremos aliviados, que nós comemoremos o acontecimento, que terminemos a atitude crítica contra o poder, prometer-nos-ão que, pouco por pouco, voltaremos à tranquilidade das nossas vidas.
Num bom dia do ano de 2014
a crise terá terminado oficialmente e ficaremos com uma cara de estúpidos agradecidos, reprovarão a nossa desconfiança, darão por boas as políticas do ajuste e voltarão a dar corda ao carrossel da economia.
Por suposição, a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade do crescimento infinito permanecerá intacta, mas essa ameaça nunca foi difundida e aquelas que dominam realmente o mundo terão posto um ponto final nesta crise fraudulenta - meio realidade e meio ficção - cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objetivos foram claros e contundentes:
fazer-nos retroceder 30 anos nos direitos e nos salários.
Num bom dia do ano de 2014
- quando os salários forem rebaixados até aos limites do terceiro-mundo;
- quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o fator determinante do produto;
- quando se desvalorizarem todas as profissões de modo que os seus saberes sejam desvalorizados;
- quando domesticarem a juventude na arte de trabalhar quase de graça;
- quando tiverem uma reserva de um milhão de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, prontos para se deslocarem e moldáveis, para assim fugirem do inferno do desespero,
Num bom dia do ano de 2014
- quando os estudantes se amontoarem nas salas de aula e seja possível expulsar do sistema educativo cerca de 30% dos estudantes sem deixar rasto visível da façanha;
- quando a saúde seja comprada e não seja oferecida;
- quando nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária;
- quando nos cobrem por cada serviço, por cada direito, por cada prestação que fizermos;
- quando as pensões forem atrasadas e cada vez mais baixas,
- quando nos convencerem que nós necessitamos seguros privados garantir as nossas vidas,
Num bom dia do ano de 2014
- quando conseguirem nivelar por baixo toda a estrutura social e todos - excepto as cúpulas postas a salvo em cada setor - pisarmos os charcos da escassez ou sentimos a respiração do medo nas nossas costas;
- quando nos cansarmos de nos confrontarmos uns com os outros e se tenham quebrado todas as pontes da solidariedade,
Nunca em tão pouco tempo se terá conseguido tanto.
Bastaram cinco anos para reduzir a cinzas os direitos que demoraram séculos a conquistar e a alcançar.
Uma devastação tão brutal do panorama social só se havia conseguido na Europa através da guerra. Mesmo que, bem pensado, também neste caso tenha sido o inimigo a ditar as leis, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armestício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. Seu grande triunfo será não só tornar-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente havíamos ganho, estaria agora novamente em disputa.
Atualmente andaram para trás com o relógio da história e ganharam 30 anos dos seus interesses.
Agora restam os últimos retoques ao novo contexto social:
um pouco mais de privatização aqui, um pouco menos de gastos públicos ali e eis que o seu trabalho estará concluído.
Quando o calendário marcar qualquer dia do ano de 2014
e as nossas vidas tenham retrocedido até finais dos anos setenta, decretam o fim da crise e no rádio escutaremos as últimas condições da nossa rendição.
Artigo de Concha Caballero, no jornal El País
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial