Opinião

Obama Costa chega ao país de Passos e Portas

Nunca saberemos se Passos foi ou não informado por Sócrates do PEC IV. O certo é que país foi entregue à troika no pior momento para Passos ganhar o partido e depois o país. Três anos depois a cena repete-se. Seguro não vence nem convence mas não larga a cadeira. "Pai, já sou primeiro-ministro!", dirá, se lá chegar. Se lá chegar. Para quê?

O resultado PSD+CDS não é brilhante (face ao histórico dos partidos) mas é extraordinário nestas circunstâncias. Apesar da catástrofe económica, a Direita ganha o distrito de Braga, uma grande parte de Trás-os-Montes (Vila Real, Bragança e Chaves), Aveiro, Viseu, Leiria e quase a Guarda (diferença de 0,6%). Ganha nos territórios (quase todos) da exportação-milagre: Paredes, Felgueiras, Vale de Cambra, Famalicão, Barcelos, Ourém (51%!)... O PS fica com mais votos no total porque assegura as grandes cidades e uma parte do Sul que (ainda) não vota CDU. Mas mesmo assim é espantoso: como é possível que este Passos e Portas tenham quase 28% ? Como já várias vezes aqui foi dito, o maior problema do PS é Seguro e depois a "herança Sócrates". E a única solução é colocar à frente do PS alguém mais credível -António Costa. Não é verdade que as políticas sejam sempre as mesmas e que os líderes pouco contem. Se fosse assim bastaria escrever programas de Governo e meter uns burocratas a executá-los. Ou fazer negociações com os credores através do Excel. Um bom líder conta muito. A motivação e confiança são essenciais e não compreender isto é esquecer a história. António Costa foi o ministro da Justiça que mudou alguma coisa no sistema judicial. Costa, ao contrário de Paulo Portas, teve a coragem de ser ministro da Administração Interna, a pior pasta que se pode ter num Governo (crimes, insegurança, polícias e incêndios...). É um bom presidente da Câmara de Lisboa - embora tenha beneficiado do jackpot da venda dos terrenos do aeroporto da Portela. Sobretudo, Costa tem um histórico de competência maior que Passos e Seguro juntos.

Além disso tem capacidade de dialogar à Esquerda e à Direita e é a única pessoa no PS que pode trazei o eleitorado que já não acredita em nada. Se o aparelho socialista não é capaz de ver isto, fechem a loja. A gratidão não pode omitir a inteligência - caso contrário é apenas piedade. Ninguém consegue dizer a Seguro, com jeitinho, um obrigado e pegar-lhe na mão para que possa dar lugar a uma melhor solução?

PS está muito longe de reconquistar o país como Sócrates

Não nos esqueçamos que este fez em 2005. Por coincidência andei desde segunda-feira em várias fábricas e empresas de alguns concelhos onde o PSD e o CDS ganham sempre. São locais onde exportar é tudo e o Estado é quase nada. As pessoas que ali trabalham vêem com bons olhos as novas (auto)estradas que foram construídas. Ajuda-as a ir trabalhar e a enviar produtos o mais rapidamente possível - e pagam portagens em todas elas. Do Estado têm, vagamente, um hospital quando precisam e sobretudo impostos e papéis - burocracias.

O Estado não mora aqui. Para muita desta gente o "Estado social" é o campo e a enxada - as couves e as batatas, sangue, suor e lágrimas na terra dos baixos custos salariais. Essa vaga conversa sobre "mais Estado" soa a gente que não quer trabalhar. Portanto, mesmo no pico da austeridade, só têm uma certeza: o "Estado" é coisa que beneficia sobretudo os das cidades com os seus transportes públicos vazios, rendimentos mínimos garantidos e boas reformas para quem passou a vida sentado num escritório.

Estes dois países são cada vez mais inconciliáveis e por isso mesmo o PS não pode perder de vista a '"economia real" centrando o futuro do país nos aumentos aos "funcionários públicos" para ganhar as eleições. O que se conseguiu até agora foi feito com a estratégia errada mas não se pode atirar pela janela. A inteligência é falar verdade e, em simultâneo, desmontar os erros de Passos. Costa é o Obama das próximas eleições. Claro, falta saber se alguém ainda acredita.

DANIEL DEUSDADO Jornalista 

Jornal de Notícias 2014.05.29