segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

VÍTOR RAMALHO: 'HÁ FRAQUEZA DE INTERVENÇÃO DO PS'


Organizador do comício da Aula Magna e ex-ministro de Mário Soares só encontra vantagens na rápida demissão do Governo. Mas vê medo na direcção do PS.
 
Cavaco Silva enviou a convergência de pensões para o Tribunal Constitucional após a reunião da Aula Magna. Acha que foi por efeito da pressão dessa reunião?
Pode ser lido assim, porque ele enviou no último dia do prazo, à última hora. Porque não o fez antes e fez a seguir à Aula Magna, onde ele sabia o que se ia passar? Aguardou.
Na Aula Magna, Mário Soares agitou um cenário de violência. Faz sentido fazê-lo quando não se vê situações violentas nas ruas? Não é um incitamento?
Não vi nenhum apelo à violência. O que há é aquilo que o povo qualifica muito bem como 'Quem Te Avisa Teu Amigo É'. Foi um alerta sobre a possibilidade real de a violência existir. Essa possibilidade existe porque o Governo tem estado cego, surdo e mudo à realidade social. Violento, violento é mesmo o Governo.
Os polícias que passaram as barreiras no Parlamento estão a minar a autoridade do Estado?
Está-se a exagerar. A polícia ultrapassou os limites, mas não houve ali nenhuma violência. O primeiro que ultrapassou o limite foi o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, ao sair do Governo, ultrapassando o limite daquilo que é aceitável, porque a seguir também aceitou ser reconduzido. Não podemos ter dois pesos e duas medidas.
Concorda com António Costa que diz que o movimento da Aula Magna só teve estes protagonistas porque a liderança do PS não ocupa o espaço político que devia?
Obviamente que as palavras de António Costa são correctas. Gostaria de ter visto muito mais membros da direcção do PS na Aula Magna. Vou dizer porquê: nesta sociedade temos de romper com o medo, o medo não é bom conselheiro. O papel dos partidos socialistas hoje não é esperar que a gestão da coisa pública lhes caia no regaço.
Há medo da direcção do PS?
Acho que há medo. A direcção do PS tem de dar sinais perante a opinião pública que traduzam mais ousadia. Se fosse mais ousada levaria as pessoas a reverem-se numa resposta mais contundente, no combate a esta direita que não é social-democrata, nem democrata-cristã. Não vejo sequer Paulo Portas, dito democrata-cristão, a defender as posições do Papa actual que pode influenciar a mudança da própria Europa.
Da queda deste Governo resultaria um Governo de esquerda?
Como organizador da iniciativa da Aula Magna posso dizer que dali não vai sair um Governo com o PCP e o BE. Longe disso. O que saiu foi uma crítica a um Governo violento que maltrata o povo português e que não gera confiança nenhuma no futuro. Mas se houver eleições, há uma realidade insofismável - tudo mudará! Com uma vitória, provável, do PS, cria-se uma dinâmica de tipo completamente novo que não deixaria de influenciar obviamente a Europa. Tanto mais que a Senhora Merkel vai formar governo com os sociais-democratas do SPD, que vão exigir uma mudança nas políticas seguidas. Se Portugal tivesse eleições e também alterasse a política era positivo para Portugal e para a Europa.
Não lhe repugna o Bloco Central?
De maneira nenhuma me repugna, se essa for a vontade do povo. Não estou a defender o Bloco Central, estou a dizer que é uma hipótese. As pessoas já se esqueceram que em 1983, o PS, depois de uma vitória eleitoral sem maioria absoluta, só tinha como hipótese de aliança o PSD. E Mário Soares fez um referendo interno no PS. Os militantes disseram que sim ao PSD e daí surgiu o Bloco Central. Também agora o país não ficaria ingovernável depois de haver eleições.
Este PS e este PSD conseguirão entender-se?
O PSD tem uma voracidade grande pelo poder, seriam os próprios militantes a correr com Passos Coelho rapidamente e em força. Até nisso as eleições serão transformadoras.
Como entender que Mário Soares, que governou com o FMI em austeridade, seja radical contra a troika?
A avaliação que Soares faz da realidade portuguesa é para ele muito traumática. Nunca pensou que o país chegasse ao que chegou. Nunca. O desejo que esta situação se altere de forma rápida levam-no a tomar estas posições.
Ele não tem dois pesos e duas medidas?
Não. O programa com que o PS chegou ao poder em 1983 era completamente claro nos sacrifícios. O Governo actual faz a negação absoluta do seu programa eleitoral - é a antítese disso. E tem a troika a mandar em Portugal - fazem todas as entrevistas e intervenções que querem e sobra-lhes tempo, humilhando o Governo. E o Governo deixa-se humilhar. Soares nunca deixou que houvesse intervenções públicas ou entrevistas que pusessem em causa quem mandava em Portugal. Acresce ainda que, no final da intervenção do FMI, em 1985, havia uma recuperação económica real. Cavaco Silva herdou o país a crescer 2,5%. Ao fim de um ano e meio. É toda uma diferença.
O que aconteceria ao país se o PR e o Governo se demitissem em simultâneo, como pediu Mário Soares?
Tudo o que está mal deve ser mudado e qualquer alternativa começa pela queda do Governo. Houve eleições na Grécia, já com a troika a funcionar, e o mundo não caiu, nem a Europa desapareceu.
Mas é praticável? Marcelo Rebelo de Sousa disse que eleições simultâneas são uma “tonteria”.
Os Governos não desaparecem pelo facto de se demitirem. Quem é que exerceria a transição se as eleições legislativas e presidenciais coincidissem? Era a presidente da Assembleia da República, está constitucionalmente previsto. Tão simples como isto.
Portugal poderia comportar os custos económicos dessa eleição simultânea?

Muita gente não quer que sejamos um país soberano. A dependência da troika e de um pavor dos mercados só existe porque há uma corrente que não concebe que se algum país bater o pé fortemente à troika isso dará origem soluções de um tipo novo.
Sugere que Portugal seja a guarda avançada na Europa de oposição à troika e à Comissão Europeia?
Não era a primeira vez que Portugal seria uma guarda avançada. O 25 de Abril originou mudanças muito relevantes noutras paragens do mundo.
Não admite que no imediato mergulharíamos numa situação difícil?
Eu concebo que a situação portuguesa se alteraria muito, naturalmente para melhor. O que estamos a viver é uma tragédia. Eu não aceito de forma alguma que se admita estar a vender o país a retalho. Os 5,5 milhões de euros da meta do memorando já foram largamente ultrapassados com três privatizações que foram feitas. Para quê então privatizar os CTT quanMuita gente não quer que sejamos um país soberano. A dependência da troika e de um pavor dos mercados só existe porque há uma corrente que não concebe que se algum país bater o pé fortemente à troika isso dará origem soluções de um tipo novo. do são altamente rentáveis?
O PS devia ter uma oposição combativa em relação aos CTT?
Devia e não tem tido. Em termos gerais, há uma fraqueza de intervenção do PS. É fundamental que o partido tenha um alternativa estratégica em três eixos fundamentais: política externa e afirmação de Portugal no mundo; funções do Estado; e economia social.
Compreende-se que o PS não tenha produzido, a partir do Laboratório de Ideias, um documento estruturado com políticas alternativas?
Não tenho dúvidas nenhumas de que esse documento ainda não apareceu. A nível europeu, infelizmente também falta definição ideológica. Os partidos socialistas andam a reboque dos mercados e entendem que a alternativa política é gerir aquilo que existe. Ora, não é. Os partidos socialistas, para que a Europa se robusteça, têm que ser ousados e romper com situações de mera gestão.
manuel.a.magalhaes@sol.pt

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