CAVACO E A LEGITIMIDADE DE, EM DEMOCRACIA, ASCENDER AO PODER QUEM POR ELA NADA FEZ
OPINIÃO
Cavaco, a pedagogia da simulação
(.....)
“Ao fazer uma retrospetiva destas quatro
décadas”, Cavaco conclui “que só nos aproximámos dos ideais de Abril quando
soubemos unir-nos nas opções essenciais.” Por exemplo, “quando conseguimos
aprovar uma Constituição que é a matriz fundadora do nosso regime democrático e
do Estado social de direito.” A mesma Constituição votada pelo PPD mas da qual
Cavaco dizia que sujeitava Portugal a uma “tutela coletivista imposta pelo
golpe comunista e socialista do 11 de Março” (discurso de 19.5.1990), que
pretenderia, dizia ele, a “perpetuação de uma orientação marxista e
socializante para a sociedade portuguesa” e fora aprovada num “processo que não
respeitou a dignidade de Portugal nem os nossos mais legítimos interesses”
(artigo de Cavaco no JN, 25.4.1994)? Aquela cujas regras, de que fala Cavaco,
não são cumpridas pelo actual Governo, chumbadas que são, uma após outra,
várias das reformas troikoausteritárias, pedaços inteiros de Orçamentos do
Estado? É que Cavaco nem por isso cumpre a própria Constituição e demite tal
Governo; que me lembre, no Verão passado deixou até que ele se recauchutasse
depois de ter caído com o estrondo da demissão irrevogável” de Portas...
Nem discuto aqui a legitimidade de, em
democracia, ascender ao poder quem por ela nunca nada fez e que mostrou horror
permanente, militante, pela revolução que lhe deu origem. Cavaco foi libérrimo
de conquistar o poder sem gostar do 25 de Abril e da Constituição, sem
necessitar de ter sido militante antifascista! O que é revoltante é esta
contrapedagogia da simulação. Ninguém o obriga, por mais PR que seja, a elogiar
uma coisa e a outra, da mesma forma que nunca amou (como nunca usou, e bem!) o
cravo vermelho. Só tem é de cumprir a Constituição, nem que seja a versão
descafeinada dela que, em 1989, fez aprovar. O Presidente eleito por menos
votos na história da democracia portuguesa, com a mais baixa popularidade de
sempre, escusa é de, depois de anos a fazer a “pedagogia” de uma revolução
“totalitária”, “comunista” e “soviética”, colar-se à memória do 25 de Abril no
ano em que os portugueses que não o sentimos como Presidente da nossa República
lhe gritámos a Grândola aos ouvidos.
Foi Freitas do Amaral quem disse estar
“convencido, mas hoje julgo que estava errado, de que a grande maioria da
direita portuguesa era, ou se tinha transformado, sinceramente, numa direita
democrática. (...) A grande maioria da direita portuguesa só é democrata de
fachada e no fundo, lá no íntimo, é salazarista” (entrevista a Notícias
Magazine, 9.3.2003).
Manuel Loff ,
Historiador
Pode ler na íntegra no link que se segue:
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