OS FIGURÕES DO SISTEMA FINANCEIRO
Opinião
Tragédias antigas e
modernas
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Para Aristóteles, a tragédia deveria representar a violência do choque da condição humana com o seu destino. O Estagirita defendia que ela, como obra literária, deveria revestir-se de duas facetas fundamentais. Primeiro, a tragédia envolveria sempre a ação de personagens nobres, para mostrar que mesmo os mais poderosos de entre os homens não conseguem fugir à autodestruição.
Segundo, a trama ocorreria no espaço público (o incesto de Édipo com a sua mãe, Jocasta, foi um ato político), de modo a provocar um efeito de revelação e catarse (purificação das "paixões da alma") nos espectadores mais humildemente anónimos.
Se Aristóteles contemplasse a moderna tragédia sistémica do mundo financeiro, do Lehman Brothers ao GES/BES, ficaria emudecido. Os personagens que causam a catástrofe não são nobres. São, na verdade, gente grotescamente banal. No lugar de uma consciência moral, muitos possuem uma vertigem narcísica que tudo absorve (por exemplo, o "livro" de João Rendeiro, do falido BPP, tem a profundidade de uma tábua rasa). Depois, os seus atos de mentira, logro, ocultação, são mera predação desprovida de grandeza, causando dano apenas aos outros. Indivíduos e povos inteiros.
Desde 2008, foram afetadas centenas de milhões de pessoas, pela desmesura de algumas centenas de figurões do sistema financeiro mundial. Dezenas de milhões perderam os seus empregos, e viram a sua integridade física e psicológica molestada. Por último, não houve qualquer catarse. Estas criaturas menores compraram imunidade total, porque têm entre os seus ativos as leis e os governos que os poderiam levar a juízo. Assistem, no conforto protegido das suas "salas de pânico", ao puro terror que semearam pelo mundo, como Nero assistiu ao incêndio de Roma.
É uma tragédia moderna. Um espetáculo vil. Uma miséria sem conceito.
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Para Aristóteles, a tragédia deveria representar a violência do choque da condição humana com o seu destino. O Estagirita defendia que ela, como obra literária, deveria revestir-se de duas facetas fundamentais. Primeiro, a tragédia envolveria sempre a ação de personagens nobres, para mostrar que mesmo os mais poderosos de entre os homens não conseguem fugir à autodestruição.
Segundo, a trama ocorreria no espaço público (o incesto de Édipo com a sua mãe, Jocasta, foi um ato político), de modo a provocar um efeito de revelação e catarse (purificação das "paixões da alma") nos espectadores mais humildemente anónimos.
Se Aristóteles contemplasse a moderna tragédia sistémica do mundo financeiro, do Lehman Brothers ao GES/BES, ficaria emudecido. Os personagens que causam a catástrofe não são nobres. São, na verdade, gente grotescamente banal. No lugar de uma consciência moral, muitos possuem uma vertigem narcísica que tudo absorve (por exemplo, o "livro" de João Rendeiro, do falido BPP, tem a profundidade de uma tábua rasa). Depois, os seus atos de mentira, logro, ocultação, são mera predação desprovida de grandeza, causando dano apenas aos outros. Indivíduos e povos inteiros.
Desde 2008, foram afetadas centenas de milhões de pessoas, pela desmesura de algumas centenas de figurões do sistema financeiro mundial. Dezenas de milhões perderam os seus empregos, e viram a sua integridade física e psicológica molestada. Por último, não houve qualquer catarse. Estas criaturas menores compraram imunidade total, porque têm entre os seus ativos as leis e os governos que os poderiam levar a juízo. Assistem, no conforto protegido das suas "salas de pânico", ao puro terror que semearam pelo mundo, como Nero assistiu ao incêndio de Roma.
É uma tragédia moderna. Um espetáculo vil. Uma miséria sem conceito.
Diário de Notícias 2014.07.14
***********************************
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial