Texto
integral da intervenção do coronel Vasco Lourenço, em 25/04/2014, no Largo do
Carmo:
40 anos após o sonho
Faz
hoje 40 anos que o Movimento das Forças Armadas concretizou o derrube da mais
velha ditadura da Europa.
Dizemo-lo,
ontem como hoje, porque parece que há por aí quem, lembrando-se demasiado bem
dessa data e do seu significado, que não aceita nem suporta, quer calar a voz
dos militares de Abril. A voz de quem, hoje como há 40 anos, continua livre, de
mãos limpas e ao serviço de um povo ao qual pertence e jamais trairá.
E
se a nossa presença é tão desejada na Assembleia da República, tão
imprescindível e tão insubstituível, não compreendemos o medo, sim o medo, de
nos olharem para além da “cereja em cima do bolo”!
Pois
bem, que fique claro que não nos fecham a boca, nem amarram os braços, com os
slogans de que pretendemos um estatuto especial!
Por
isso, aqui estamos para lembrar o 25 de Abril e denunciar o que, em nosso
entender, atenta contra o seu espírito e os seus valores.
Dizemo-lo
e repetimo-lo, aqui e agora, porque os detentores do poder assumem-se, cada vez
mais, como herdeiros dos vencidos em 25 de Abril de 1974.
A
luta de muitos portugueses contra a tirania, a opressão e o obscurantismo,
culminou nessa radiosa jornada de 25 de Abril de 1974 – que nos lançou na mais
extraordinária aventura, que um povo pode viver.
Mas
se é certo que a grande virtude dos militares de Abril foi o saberem aproveitar
as condições criadas por essa luta, bem como as condições resultantes da longa
guerra colonial, o certo é que o 25 de Abril de 1974 é da exclusiva
responsabilidade desses militares que surpreenderam o mundo pela sua
generosidade: pela primeira vez na história de Portugal e do Mundo, as Forças
Armadas tomaram a iniciativa de devolver o poder aos cidadãos, logo que foram
criadas condições democráticas para tal.
Assim,
terminada a guerra colonial, aprovada a Constituição da República e
estabilizadas as Instituições Democráticas, os militares regressaram aos
quartéis.
Tudo
fizeram pelo seu País, nada quiseram para si.
A
primeira década da democracia, em que os militares ainda foram o garante da
estabilidade, possibilitou aos portugueses a escolha do espaço europeu como
modelo político e económico,
Em
suma, foi graças a essa “madrugada inteira e limpa”, como a crismou Sophia, que
foi possível começar a:
-
Construir um País novo, recuperando-o do atraso em que o haviam colocado,
-
Fazer um Estado Democrático e de Direito,
-
Reconhecer o direito à autodeterminação e independência dos povos colonizados,
-
Retirar Portugal do isolamento internacional em que os ditadores o mantinham,
-
Inserir o nosso País numa Europa onde o Estado Social garantia há mais de
trinta anos uma situação de paz, progresso, bem-estar e justiça social.
Esse,
lembramos mais uma vez, foi o tempo de todas as esperanças,
convictos de que se caminhava ao encontro de uma sociedade verdadeiramente
livre e justa.
Porém,
hoje, e repetindo o que afirmámos nesta mesma data há um ano, “assistimos,
e sofremos na pele, à destruição de muito do que de bom se conseguiu, ao
retrocesso para tempos da outra senhora, à destruição do Portugal de Abril e ao
abrir de portas de novas escravidões, à iniquidade, à perda da soberania”.
Vemos
com muita preocupação:
-
O regresso da emigração em massa porque não há trabalho em Portugal;
-
O desemprego avassalador e desumano que atira centenas de milhares de
compatriotas nossos para o sofrimento, a desesperança, as bermas da indignidade;
ingressámos já no grupo dos quinze países do mundo com mais desempregados;
-
A fome a alastrar pelas camadas mais desfavorecidas;
-
A enorme desvalorização atingida pelo trabalho;
-
O aumento escandaloso da injustiça social;
-
As cantinas das escolas abertas nas férias escolares para que crianças
portuguesas possam comer alguma coisa nesses períodos;
-
Uma classe média destroçada;
-
O Estado Social a ser destruído, com consequências maiores no direito à
educação, à saúde e à segurança social;
-
O aumento da corrupção que, como Vitorino Magalhães Godinho afirmou no seu
livro Os Problemas de Portugal, “surge como o regular funcionamento
da economia”, que nos arrastou para esta enorme crise;
-
A enorme impunidade que campeia entre os poderosos, considerados acima da lei;
-
O não funcionamento da Justiça;
-
O regresso do medo, aos que sentem o emprego em risco ou temem perder o pouco
que ainda têm;
-
Os reformados e os pensionistas a serem esbulhados a cada fim de mês porque
quem conscientemente nos desgoverna rasgou os contratos assinados pelo Estado
com os trabalhadores para respeitar os inaceitáveis contratos assinados com a
troika;
-
O desrespeito da dignidade humana.
E
porque há valores de dignidade humana inquestionáveis, nomeadamente o direito a
um eficiente serviço de saúde pública, de educação pública e de segurança
social pública, não podemos assistir indiferentes às situações de pobreza
extrema, de carência absoluta, de fome que todos os dias se nos deparam!
Hoje,
revoltados, assistimos:
-
A uma propaganda governamental mais condizente com serventuários do grande capital
financeiro do que com governantes eleitos pelo povo para defesa do bem comum;
-
À desfaçatez e sem vergonha de políticos que, do alto das cadeiras da casa que
devia ser da democracia, vêm a público afirmar, sem pingo de bom senso, que o
País está melhor embora os portugueses estejam pior;
-
A uma governação que legisla como se a Constituição não existisse, passando
pelo descrédito, contínuo desde há três anos, de ver leis suas revogadas pelo
Tribunal Constitucional que em permanência afronta.
Neste
contexto, muitos dos nossos compatriotas já perderam a esperança. Mas porque
“há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”, continuamos a
lutar – dissemo-lo há um ano e reafirmamo-lo agora – “com as armas que
a Democracia conquistada com Abril ainda nos permite, contra os novos tiranos
que nos roubam o pão, o trabalho e a soberania”.
A
desvergonha é tanta que, no Governo, ao mais alto nível, há até quem se atreva
a falar de uma nova Restauração, fazendo de conta que não sabe que um novo 1640
está mesmo a caminho com a inevitável defenestração dos Miguéis de Vasconcelos
que por ali andam.
Mas
hoje, neste local simbólico que tão gratas recordações nos traz, podemos e
queremos dizer sem qualquer hesitação, que quem nos desgoverna subiu ao poder
fazendo promessas que não cumpriu. Enganando os cidadãos que neles votaram.
Deslegitimando-se, ética, moral e politicamente.
Hoje,
além de com subido orgulho homenagearmos aqui um dos nossos – Salgueiro Maia, e
nele evocarmos todos os Militares de Abril já falecidos –, queremos lembrar a
todos os nossos concidadãos que a democracia não se limita a eleições de quatro
em quatro anos.
Queremos
afirmar que quem nos desgoverna tem que prestar contas de cada um dos seus
actos que mexe com a vida de todos nós. Não podemos ficar de braços cruzados
perante um Portugal de joelhos face ao poder estrangeiro, cada vez mais pobre,
cada vez mais devedor (a nossa dívida pública nos últimos três anos saltou de
90 para 130 mil milhões), cada vez mais esmifrado.
A
situação é esta e não estamos a exagerar. Sabemos que a luta em que estamos
envolvidos é uma luta difícil. Disso todos temos que ter consciência. Os
inimigos, dentro e fora de fronteiras, são poderosos – mas a nossa História
quase milenar, e o direito à nossa vida com futuro, a isso nos obrigam. Não
podemos virar a cara à luta.
Sublinho
hoje de novo, como já tantas vezes o fizemos: temos a consciência de que a
crise é generalizada no mundo ocidental, nomeadamente na Europa – mas isso não
justifica a profundidade que atingiu Portugal.
Estamos
a lutar contra o marasmo, o conformismo, o amochar que se tem apoderado de
muitos portugueses perante as contínuas agressões e roubos de que são vítimas.
O País está a ser destruído e temos que nos mobilizar a fundo para pormos cobro
a uma situação que seria impensável há meia dúzia de anos.
Estamos
a incentivar as acções da sociedade civil que vem despertando, vem assumindo a
contestação e vem dando sinais inequívocos ao Poder – os quais, a não serem
entendidos, provocarão fortes convulsões sociais, com a violência em pano de
fundo.
Insistimos
e sabemos do que falamos: cada dia que passa assistimos à destruição do que, de
positivo, foi sendo construído no nosso país em resultado da acção libertadora
de há 40 anos.
O
País está vendido, em grande parte e a pataco, ao estrangeiro!
As
desigualdades, consumadas no aumento do enriquecimento dos que já têm tudo e no
cada vez maior empobrecimento dos mais desfavorecidos, transforma a nossa
sociedade num barril de pólvora que apenas será sustentável numa nova ditadura
opressiva, com o desaparecimento das mais elementares liberdades.
Como
há um ano, manifestamos de novo, e com maior veemência, a nossa indignação face
aos acontecimentos que se estão vivendo em Portugal e que configuram, de modo
irrefutável, um enorme e muito grave descrédito dos representantes políticos no
Poder, que deliberadamente criaram e sustentam esta situação.
Insistimos,
sem tibieza, que a Democracia não é, nem pode ser jamais, a concessão a uns
quantos de uma patente de incompetência ou pilhagem, para se enriquecerem a si
e a amigos durante quatro anos ou mais.
A
Democracia tem o seu fundamento na confiança que os representados têm nos seus
representantes e na lealdade destes perante quem os elegeu. Quando essa
confiança é traída e essa lealdade desaparece, a legitimidade moral e política
da classe dirigente desmorona-se e o cimento da Democracia apodrece. O que não
podemos permitir.
Isto
é o que, infelizmente há muito tempo, pensamos – mas que em nosso entender se
agravou de modo substancial nos últimos anos, com um Governo de joelhos
submetendo-se docilmente aos ditames da Troika e, por mais inconcebível que tal
seja, indo ainda mais longe do que exigem esses estrangeiros que hoje mandam no
nosso país transformado numa espécie de protectorado.
E
porque a justificação para a não mudança parece ser a nossa pertença ao Euro e
à União Europeia, e porque esta caminha para um projecto falhado, um projecto
moribundo, há que questionar a nossa continuidade no Euro e na própria União
Europeia.
Numa
democracia existem sempre alternativas.
Numa
democracia não existem assuntos tabus. Por isso não devemos ter receio de
discutir a nossa pertença à EU e ao Euro!
Pertencemos
à Europa, irrevogavelmente, pela cultura, pela história, pelos milhões de
portugueses que estão no seu território, mas não queremos, não aceitamos ser o
lupen proletariado da Europa! Queremos pertencer a uma União e não a um
Império!
Somos
Europeus, não somos sub-europeus! As nossas razões para estarmos na Europa são
as do respeito, as da Igualdade, as da Solidariedade.
Se
a União Europeia continuar como está, será preferível sairmos!
Em
resumo e para que fique claro: a situação em que Portugal se encontra é
inaceitável, insustentável e perigosa. E porque continuamos a considerar que a
antecâmara do totalitarismo surge quando, num Estado de Direito, a classe política
perde o seu prestígio porque se transforma numa espécie de casta que deixa de
servir os interesses de todos para servir os seus próprios interesses e/ou os
interesses dos já poderosos, chegou o momento de, com toda a força, a população
dizer basta - e, em nome da Pátria, apontar a solução: ou se muda urgentemente
de política e inverte o caminho de submissão, austeridade e empobrecimento do
país, ou este governo tem de ser apeado sem hesitação. De preferência por
iniciativa do Presidente da República, que continua a ser um mero assistente
passivo ou mesmo conivente, tardando em fazer uma leitura consequente da
situação que se vive em Portugal, desviando-o do plano inclinado em que se
encontra, rumo ao precipício.
Temos
de ser capazes de aproveitar as armas da Democracia e mostrar aos responsáveis
pelo “estado a que isto chegou” um cartão vermelho, que os expulse de campo!
Não
duvidemos, temos de ser capazes de expulsar os “vendilhões do templo”!
Os
desmandos e a tragédia da actual governação não podem continuar!
Igualmente,
temos de ser capazes de retornar às Presidências de boa memória de Ramalho
Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio!
Temos
de ser capazes de ultrapassar os sectarismos, temos de ter a capacidade de
reconhecer o inimigo comum, mesmo antes de sermos totalmente derrotados.
Vencendo
o conformismo, temos de ser capazes de resistir de novo, reconquistar as
utopias, arriscar a rebeldia e renovar a esperança!
Recolocados
os valores da madrugada libertadora, nessa altura, vencido o medo, poderemos então
retomar a esperança de reafirmar Abril e construir um futuro melhor!
Largo
do Carmo, Lisboa, 25 de Abril de 2014
Vasco
Lourenço